“Cartasis: Versos do meu caos interior”

Aproveite o passeio pela exposição individual de Camila Hybris, que integrou o CineCaos em agosto de 2019, e está de volta em formato virtual. O conteúdo a seguir possui aviso de gatilho (conteúdo potencialmente sensível).

A Coordenação de Cultura e Vivência da UFMT/PROCEV e o Museu de Arte e de Cultura Popular (MACP/UFMT) realizaram a exposição “Cartasis: Versos do meu caos interior”, que ficou em cartaz no período de 10/08/19 a 13/09/19.


A exposição Catarsis busca trazer à luz os transtornos depressivos e suas variadas manifestações, a fim de diminuir os modos equivocados e preconceituosos com que a sociedade lida com os sofrimentos mentais. “A expressão “mal do século” atribuída à depressão e suas diversas vertentes, vem sendo legitimada através do evidente aumento de casos diagnosticados na atualidade.

“O mundo contemporâneo demonizou a depressão, o que só faz agravar o sofrimento dos depressivos com sentimentos de dívida ou de culpa em relação aos ideais em circulação”

(KEHL, 2009, p. 16)

Catarsis pretende adicionar uma perspectiva de cura, esperança e beleza a esse contexto.

Camila Hybris em seu ateliê durante produção das obras.

Após a perda da audição de um dos ouvidos e a constante perturbação que os zumbidos ocasionados pelo trauma me causam, vieram à tona todas as angústias que carrego e uma intensa necessidade de expurgá-las do meu interior.

Ao entrar em contato com a liberdade que a arte abstrata proporciona, pude através dela, dar vazão aos mais profundos sentimentos, incluindo estados psíquicos relacionados ao meu próprio sofrimento mental.

As obras tratam de questões humanas com sensibilidade compartilhando experiências nem sempre muito bem vindas e por isso mesmo angustiantes para aqueles que as sentem. As sensações são intencionalmente preparadas pela paleta de cores e pelas figurações que revelam o que temos de obscuro e caótico.

Para além da tentativa de representar algo belo, busco através da arte expressar minhas dores, minhas angústias e meu transcurso catártico, que me impulsiona à alcançar através da arte um processo de compreensão e cura.

Convido-te à adentrar os versos do mais profundo magma da minha essência.

Do meu caos interior , para o teu.


A artista plástica Camila Hybris falou sobre a exposição em entrevista para a TV da Universidade Federal de Mato Grosso, contando um pouco sobre como surgiu o tema.

Mais do que uma vontade, Camila estava motivada por uma necessidade de compreender o que se passava internamente. Encontrou na arte, nas tintas e nas cores, uma forma de colocar o sentimento pra fora, realizando um processo de compreensão e cura, ou seja, uma verdadeira “Catarsis“*. Camila pôde então compreender sentimentos profundos, que infelizmente não são bem vindos, nem bem vistos pela sociedade, que ignora depressão e ansiedade como doenças que precisam serem debatidas.


Catársis
Plural de catarse

1 – Purificação da alma por uma descarga emocional causada pelo drama
2 – Sentimento de alívio ao despertar traumas reprimidos


A artista entende o papel social que sua exposição possui, compreendendo que o  debate sobre o tema seja feito com mais carinho e menos preconceito, e a exemplo disso, os alunos da Escola EMEB Elza Luiza Esteves tiveram uma visita guiada, no qual a psicóloga Heloísa Lima de Carvalho, da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (PRAE/UFMT), participou da mediação e abordou questões relacionadas à exposição.

Confira as fotos abaixo


Sinta um pouco do clima da exposição no teaser divulgado pela artista em 2019

As 16 telas que formam o todo da exposição, além da instalação, ambientação e sonorização, são pintadas com acrílica e espátulas no lugar de pinceis, por conta da rispidez necessária para elaborar as obras mais abstratas. Porém, as obras com figuração abstrata, foram pintadas com tinta óleo, alcançando maior liberdade no processo de mistura das cores.

Fotos – Processo criativo e montagem

Minidoc & Entrevista (material inédito)

Para esse momento de isolamento social, um material inédito foi gravado em formato de entrevista e minidocumentário sobre a exposição, detalhando as impressões gerais da artista ao revisitar o tema, e os desdobramentos que esse projeto teve em sua vida.

Camila acredita que não somos somente aquilo que o meio nos condiciona a ser, que podemos ser o que desejarmos, só precisamos de determinação e apoio, para tornar a jornada possível.

Finaliza a entrevista de forma esperançosa e catártica, como a própria exposição, e revela que hoje em dia visualiza uma vida bem mais vibrante ao seu redor.

Minidocumentário “Cartasis: Versos do meu caos interior”
Exposição individual de Camila Hybris
Captação, montagem e finalização: Alan Caetano Afonso.
Direção de Cena e Entrevista: Emílio Baccarin.
Trilha original e VT de abertura: André Górium

Galeria | Exposição


Galeria | Obras | Poemas

Aproveite para contemplar as obras da artista plástica, e realizar a leitura de poemas escolhidos por Camila Hybris, que fazem parte da composição expográfica e curatorial da exposição.

GOLDEN HOUR – 1.00 X 800 MM – OUTUBRO 2018


Lobos? São muitos.

Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.

Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.

Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.

Hilda Hilst

HUBRIS – 1.00 X 800 MM – ABRIL 2018


Planetário

Bombardeada ainda assim em pé

Em pé minha vida toda no
caminho direto de uma bateria de sinais
mais precisamente transmitido mais
intraduzível língua no universo
Sou nuvem galáctica tão profunda tão invo-
lutosa que a onda de luz poderia levar 15
anos para viajar por mim E vem
levando Sou instrumento com forma
de mulher tentando traduzir pulsos
em imagens para o alívio do corpo
e a remontagem das ideias.

Adrienne Rich

Dive – 900 X 660 MM –  MAIO 2018


Um Peixe
Um pedaço de trapo que fosse
Atirado nume estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.

Pagu

CARPAS –1.000X800 MM –  MAIO 2018


FALA
 
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será.
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.

Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade)

Nós somos verdadeiros vulcões.
Quando nós, mulheres
Oferecemos nossas experiências como nossas verdades humanas,
Todos os mapas mudam.
Surgem novas montanhas.

Ursrula K. Le Guin

CORES DE ALMODOVAR  – 594 X 841 MM –  MAIO 2018


ARABESCO
 
A geometria em mosaico
cria o texto labirinto
intrincadíssimos caminhos
complexidades nítidas.

A geometria em florido
plano de minúcias vivas
a geometria toda em fuga
e o texto como em primavera.

A ordem transpondo-se em beleza
além dos planos no infinito
e o texto pleno indecifrado
em mosaico flor ardendo.
O caos domado em plenitude
a primavera.

Orides Fontanele

VIBR.AÇÃO II  – 400 X 750 MM –  ABRIL 2018


Nossa porção de noite —
Nossa porção de aurora —
Nossa ausência de amor —
Nossa ausência de agrura —

Uma estrela, outra estrela
Que se extravia!
Uma névoa, outra névoa,
Depois – o Dia!

Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas.
[traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.

VIBR.AÇÃO III  – 400 X 750 MM –  ABRIL 2018


Neste mundo não existe estabilidade.
Quem será capaz de exprimir o significado das coisas?
Quem pode prever o voo que uma palavra descreve depois de dita?
É um balão que plana sobre as árvores.
E o esforço de conhecer é sempre inútil.
Tudo é experiência e aventura.
Constantemente formamos novas combinações de elementos desconhecidos.
O que está para vir?

Virginia Woolf

FALL DOVVN II  – 420 X 594 MM –  ABRIL 2018


Ser ou estar.

Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima.

Se eu sou, não estou porque para que eu seja é preciso que eu não esteja.
Mas não esteja onde? Muito boa a pergunta, não esteja onde.
Fora de mim, é lógico.

Para que eu seja assim inteira (essencial e essência) é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim.

Não me desintegro na natureza porque ela me toma e me devolve na íntegra: não há competição mas identificação dos elementos. Apenas isso.

Na cidade me desintegro porque na cidade eu não sou, eu estou: estou competindo e como dentro das regras do jogo (milhares de regras) preciso competir bem, tenho consequentemente de estar bem para competir o melhor possível.

Para competir o melhor possível acabo sacrificando o ser (próprio ou alheio, o que vem a dar no mesmo).

Ora, se sacrifico o ser para apenas estar, acabo me desintegrando (essencial e essência) até a pulverização total.

 Lygia Fagundes Telles, As Meninas

ANSIEDADE  – 1.00 X 800 MM –  OUTUBRO 2018


Despedida

Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? – me perguntarão.
– Por não ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? – Tudo. Que desejas? – Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação …
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra … )

Quero solidão.

Cecília Meireles
Flor de Poemas,1972

NOSSA SOLIDÃO  – 1.00 X 800 MM –  OUTUBRO 2018


Lágrimas Ocultas 

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que rí e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi outras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida…

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago…
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim…

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca

TINNITUS  – 1.00 X 800 MM –  DEZEMBRO 2018


Mindscapes

Sylvia é musicista.

Em 2003, ela sofreu uma perda de audição aguda. um ano depois, passou a escutar músicas em sua cabeça, em looping, o tempo todo.

Como sylvia tem ouvido absoluto, pode transcrever e gravar suas canções internas.
Ela fez a primeira gravação de alucinações musicais do mundo.
[…]
A poesia é um defeito de recepção.

Jeanne Callegari

DEPRESSÃO  – 1.00 X 800 MM –  DEZEMBRO 2018


“Dá-se em mim uma suspensão da vontade, da emoção, do pensamento, e esta suspensão dura magnos dias. (…) Nesses períodos de sombra, sou incapaz de pensar, de sentir, de querer. (…) Não posso; é como se dormisse e os meus gestos, as minhas palavras, os meus atos certos, não fossem mais que uma respiração periférica, instinto rítmico de um organismo qualquer.

É uma vontade de não querer ter pensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma. É o sentimento súbito de se estar enclausurado na cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?”

Fragmentos do Livro do Desassossego – Fernando Pessoa

APATIA  – 1.00 X 800 MM –  ABRIL 2019


Quando acordei esta manhã no quarto úmido e escuro, ouvindo o tamborilar da chuva por todos os lados, tive a impressão de que havia sarado.

Estava curada das palpitações no coração que me atormentaram nos últimos dois dias, praticamente impedindo que eu lesse, pensasse ou mesmo levasse a mão ao peito.

Um pássaro alucinado se debatia lá dentro, preso na gaiola de osso, disposto a rompê-lo e sair, sacudindo meu corpo inteiro a cada tentativa.

Senti vontade de golpear meu coração, arrancá-lo para deter aquela pulsação ridícula que parecia querer saltar do meu coração e sair pelo mundo, seguindo seu próprio rumo.

Sylvia Plath 

PÂNICO  – 1.00 X 800 MM –  ABRIL 2019


O universo é a combinação de milhares de elementos, e contudo é expressão de um simples espírito – um caos para os sentidos, um cosmos para a razão.

Helena P Blavatsky – (Ísis sem Véu) 

AGRESSÃO – AMOR – OPRESSÃO  – 1.00 X 800 MM –  JULHO 2019


Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos

CATARSE – EPIFANIA – 800 X 1000 MM – AGOSTO 2019


Texto de Encerramento

Se és uma mulher forte
te protejas das hordas que desejarão
almoçar teu coração.

Elas usam todos os disfarces dos carnavais da terra:
se vestem como culpas, como oportunidades, como preços que se precisa pagar.

Te cutucam a alma; metem o aço de seus olhares ou de seus prantos
até o mais profundo do magma de tua essência
não para alumbrar-se com teu fogo
senão para apagar a paixão
a erudição de tuas fantasias.

Se és uma mulher forte
tens que saber que o ar que te nutre
carrega também parasitas, varejeiras,
miúdos insetos que buscarão se alojar em teu sangue
e se nutrir do quanto é sólido e grande em ti.

Não percas a compaixão, mas teme tudo que te conduz
a negar-te a palavra, a esconder quem és,
tudo que te obrigue a abrandar-se
e te prometa um reino terrestre em troca
de um sorriso complacente. […] Treine-se nos ofícios da reflexão e do intelecto.

Lê, faz o amor a ti mesma, constrói teu castelo
o rodeia de fossos profundos
mas lhe faça amplas portas e janelas. […] Se és uma mulher forte
se proteja com palavras e árvores
e invoca a memória de mulheres antigas.

Saberás que és um campo magnético
até onde viajarão uivando os pregos enferrujados
e o óxido mortal de todos os naufrágios.

Ampara, mas te ampara primeiro.

Guarda as distâncias.

Te constrói. Te cuida.

Entesoura teu poder.

O defenda.

O faça por você.

Te peço em nome de todas nós.

Gioconda Belli

Equipe Curatorial

Camila Hybris, André Górium, Alan Afonso Caetano, Marli Rosa, Rogério Andreatta, Eliete Borges Lopes.

Camila Hybris

Quase-artista, quase-arquiteta, quase-um-tanto-de-coisas que compõe uma ode à riqueza da incompletude; pinta-rabisca-suja telas, papéis, portas, paredes, o que estiver mais próximo do pincel, das espátulas, das mãos, dos pés, da tinta, do sangue, do corpo, da alma. Por confusão da anatomia possui dois corações – repletos de amor pelas artes e por todos tons de Gaia.

CONTATOS

Facebook – FACEBOOK.COM/CAMILA.HYBRIS
E-mail – CAMILAHYBRIS999@GMAIL.COM
Instagram – @CAMILAHYBRIS


Algumas obras ainda estão disponíveis. Interessados podem entrar em contato direto com Camila Hybris pelo facebook, instagram ou e-mail relacionados acima.

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